Quando falamos de pessoas no espectro do autismo,
logo surgem conversas sobre os direitos assegurados por lei e os avanços
conquistados ao longo dos anos. No papel, há um conjunto admirável de normas
voltadas para a inclusão e igualdade de oportunidades. Mas será que, na
vida real, tudo funciona com a mesma simplicidade e eficácia? Infelizmente,
não.
A promessa da lei versus a realidade vivida
No Brasil, as leis são claras. A Lei nº 12.764/2012,
conhecida como a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista, garante acesso à saúde, educação,
trabalho e assistência social. Já a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça o direito a espaços
acessíveis e atendimento prioritário.
O problema é que essas leis raramente são cumpridas na
prática. Faltam políticas públicas efetivas, profissionais capacitados e
estrutura adequada nas instituições.
A inclusão que para na infância
É comum que a sociedade associe o autismo apenas à infância.
No entanto, o autismo acompanha o indivíduo por toda a vida. Isso significa que
jovens e adultos autistas também precisam de apoio contínuo para estudar,
trabalhar e viver com dignidade.
Nas universidades, os desafios se acumulam. Poucas
oferecem suporte especializado, e muitas sequer reconhecem as necessidades
dos estudantes com TEA. No mercado de trabalho, o cumprimento da Lei de
Cotas (Lei nº 8.213/1991) é negligenciado, com empresas alegando falta de
preparo para inclusão.
Exemplos que se repetem
João, 23 anos, só conseguiu matricular-se numa
universidade pública após entrar na justiça. Sua condição exigia apoio
especializado, mas o direito foi negado até decisão judicial. Ana, mãe de um
menino de 10 anos, luta há dois anos para garantir a presença de um
mediador escolar — um direito previsto em lei, mas constantemente ignorado.
Essas histórias não são exceções, mas sim parte da rotina
de milhares de famílias brasileiras.
Um sistema que empurra para os tribunais
Recorrer ao sistema judiciário tornou-se quase
obrigatório para garantir o que está previsto em lei. Cada vaga negada, cada
tratamento suspenso, cada adaptação escolar inexistente gera uma nova ação
judicial.
Mas esse caminho é longo, caro e inacessível para
muitas famílias, principalmente as mais vulneráveis. O que deveria ser
automático, vira uma batalha.
O que falta?
Mais do que leis, o Brasil precisa de ações concretas e
fiscalização rigorosa:
- Formação
de profissionais da educação e da saúde;
- Adaptação
real das instituições de ensino;
- Campanhas
de conscientização para o mercado de trabalho;
- Investimento
público em estrutura e acompanhamento.
A inclusão real acontece na prática. Enquanto não for
vivida no cotidiano, continuaremos a ouvir promessas que ficam apenas no papel
— e cidadãos que seguem lutando por algo básico: o direito de viver com
dignidade.
Por Sérgio Pinheiro – Jornalista
e Professor