Tutores de cães que foram vacinados recentemente contra leishmaniose no Brasil estão apreensivos com possíveis efeitos colaterais vindos do imunizante Leish-Tec. Nesta terça-feira (23), a fabricante anunciou a suspensão temporária da venda de todos os lotes do produto após identificar "desvios" em parte deles. A empresa, entretanto, não informou quais foram os problemas detectados no medicamento que é o único disponível no país contra a doença.
O golden retriever Woody, de 2 anos, foi um dos animais que receberam uma injeção vinda de um dos seis lotes que apresentaram problemas. O economista Victor Balestrassi, de 34 anos, tutor do cão, conta que a vacina foi aplicada em fevereiro deste ano. Em seguida, o animal teve um ataque alérgico que não foi controlado por completo até hoje.
"O corpo do Woody empolou todo, em um nível fora do normal. Ele começou a se coçar muito, a ponto de abrir feridas na pele. Eu o levei ao veterinário, começamos o tratamento para alergia, só que a crise nunca mais passou. Até hoje ele se coça bastante. Então comecei a buscar novos tratamentos, além de trocar a ração e xampu. Ainda assim persiste", relata o morador de Itabira, a 110 km de Belo Horizonte.
Balestrassi calcula que a nova rotina de tratamentos dobrou os gastos mensais que ele tem com o companheiro de quatro patas. Atualmente, o cão faz uso de melatonina como tranquilizante para reduzir as coceiras enquanto dorme.
A médica-veterinária que acompanha Woody, que prefere não ser identificada, pondera que o cão já apresentou problemas de pele em outras oportunidades antes de ser vacinado. A especialista, no entanto, não descarta que a enfermidade possa ter se agravado com o imunizante. Quando recebeu as primeiras doses, o cão não apresentou reação como agora.
"Realmente este foi [o quadro de dermatite] mais longo que o Woody teve, até com mais feridas. Então tivemos que fazer o controle com prednisona [anti-inflamatório], o que normalmente não fazemos, disse a médica-veterinária.
A especialista avalia que a falta de informações sobre os problemas identificados na vacina é um dos fatores que têm preocupado mais os tutores. "Estamos um pouco traumatizados ainda por causa do caso dos petiscos contaminados e as coisas ficaram um pouco no escuro, sem saber por que [os lotes da vacina] estão sendo recolhidos", comenta.
"É inegável a importância da vacina porque ela é a única no cenário nacional. Até 2016, a única saída para cães com leishmaniose era a eutanásia. Quando se tira ela do mercado, é uma ferramenta a menos para lidar com a doença", conclui a médica-veterinária.
Após receber, nesta terça-feira, o comunicado da Ceva Saúde Animal, responsável por produzir a vacina, a própria especialista avisou Victor Balestrassi de que o medicamento aplicado em Woody faz parte do lote que, segundo a fabricante, possui "desvios".
O ofício da Ceva aponta falha em seis lotes. São eles: 029/22, 037/22, 043/22, 044/22, 060/22, 004/23.
Balestrassi informou à reportagem que acionou a Ceva e ainda não conseguiu conversar com representantes da empresa. O R7 procurou a fabricante para saber quais são as cidades que receberam os lotes citados, mas aguarda retorno. A reportagem também aguarda resposta do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) sobre o caso.
No comunicado divulgado aos parceiros, a Ceva informou que optou por suspender a venda de todos os lotes preventivamente.
"A empresa está tomando ações internas para identificar as razões dos desvios e corrigir a situação o mais breve possível, esperando ter novas definições nas próximas semanas. A Ceva seguirá tomando as medidas necessárias para continuar garantindo a qualidade de seus produtos e o compromisso com seus clientes. Assim que possível, retornaremos com mais informações", informou a fabricante em nota.
A vacina contra leishmaniose canina é indicada para os cachorros da seguinte forma: três doses iniciais com intervalos de 21 dias entre elas. Em seguida, um reforço a cada ano.
O presidente da Sociedade Mineira de Medicina Veterinária, Victor Márcio Ribeiro, explica que a Leish-Tec é usada para a prevenção da doença e no tratamento de animais já infectados. Os tratamentos, no entanto, não vão ser interrompidos pois há outros medicamentos que auxiliam.
Ribeiro ainda destaca que casos leves de reações em função do medicamento são comuns. Entretanto, até então, os registros não eram alarmantes e não demandavam suspender o uso do produto.
"Ainda estamos na expectativa de entender como será feito a partir de agora, porque estamos sem a única vacina do país. Vamos debater sobre isso no congresso da categoria nesta semana no nordeste", disse.
Ribeiro adverte que para evitar o crescimento de contaminações, é importante aumentar o controle do vetor da doença, que são os flebotomíneos, também conhecidos como mosquito-palha. A doença é transmitida por meio da picada da fêmea do inseto, que se alimenta de sangue.
"Temos que evitar que os cães estejam presentes em terrenos mais úmidos, onde haja sombra e matéria orgânica, onde a fêmea costuma se reproduzir", sugere Ribeiro.
Segundo a FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz), a maioria dos cães não apresenta sintomas clínicos da leishmaniose. Quando ocorrem sinais da doença, os mais comuns são:
- Apatia (desânimo, fraqueza, sonolência);
- Perda de apetite;
- Emagrecimento progressivo;
- Feridas na pele, no focinho, orelhas, articulações e cauda que demoram a cicatrizar;
- Descamação e perda de pelos;
- Crescimento exagerado das unhas;
- Problemas oculares;
- Diarreia com sangue;
- Paresia dos membros posteriores.
Fonte:R7