A vida de Regis Mota virou de cabeça para baixo a partir de 2009, ano em que sua filha mais velha, Anna Carolina, descobriu um câncer — a leucemia linfoide aguda. Essa seria a primeira vez que Anna enfrentaria a doença — assim como sua família.
Anos após a cura da primogênita, foi a vez de Regis e seu filho do meio, Pedro, descobrirem um carcinoma (tumor maligno), em 2016. No ano seguinte, a caçula, Beatriz, também enfrentou a doença.
Em 2018, a doença levou Beatriz. Em 2021, foi a vez de Pedro. E 2022 levou Anna, que descobriu um tumor cerebral. No total, foram 12 diagnósticos de diferentes cânceres ao longo de 13 anos na família. Atualmente, Regis continua em tratamento contra um mieloma múltiplo, e sua história já foi documentada no quadro Detetives da Ciência, do Jornal da Record.
Mas, por que tantos casos de câncer em uma mesma família? Trata-se da LFS (Síndrome de Li-Fraumeni), que acomete Regis e foi passada hereditariamente aos seus filhos.
Segundo Pablo de Nicola, geneticista da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo, a LFS é uma síndrome rara, herdada pela família, em que ocorre uma mutação no gene TP53, que predispõe seus portadores ao desenvolvimento de cânceres ao longo da vida.
A oncogeneticista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Allyne Cagnacci explica que o TP53 está ligado à supressão de tumores, com funções no ciclo celular, entre elas a morte das células e reparo do DNA.
Assim, quando o paciente nasce com tal mutação, o seu sistema genético fica vulnerável à acumulação de mutações e transforma as células em malignas.
"Parentes de primeiro grau, como pais, filhos e irmãos, têm 50% mais risco de sofrer também a mutação causadora do LFS", explica Allyne.
Embora as pessoas afetadas estejam suscetíveis a desenvolver qualquer tipo de câncer, ambos os especialistas dizem que há uma frequência maior no aparecimento de tumores na mama, tumores cerebrais, leucemias, sarcomas (tumores musculares), osteossarcomas (câncer nos ossos), cânceres gastrointestinais, câncer de tireoide e adrenocortical (na glândula suprarrenal).
Allyne afirma que a LFS é considerada rara ao redor do munto. Entretanto, no Brasil, a prevalência seria maior, principalmente no sul do país. Segundo um estudo publicado no periódico científico The Lancet Oncology, em 2009, a mutação R337H no gene TP53 estaria presente em 0,3% da população brasileira.
A oncogeneticista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz destaca que 1 em cada 300 paranaenses estaria com essa mutação específica. Essa alta de ocorrências no país, em específico nessa região, tem um porquê: o chamado efeito fundador, em que há um ancestral comum.
O diagnóstico da LFS se dá, primeiramente, pela suspeita clínica, quando familiares e médicos passam a observar a frequência da ocorrência em pacientes e pessoas do mesmo laço sanguíneo com câncer, em especial, os acima citados, e em idade jovem, abaixo dos 25 anos.
A partir daí, o paciente deve ser encaminhado para um geneticista ou oncogeneticista, que desenhará um heredograma (árvore de geneticismo hereditário). Depois, ele é direcionado à análise laboratorial, que poderá ser feita com uma amostra sanguínea ou de saliva para a realização de exames moleculares, como o sequenciamento do gene TP53.
Nicola explica que ainda não existe cura para a síndrome ou tratamentos que sejam capazes de controlá-la. No entanto, os pacientes são orientados quanto aos protocolos de rastreamento tumoral, que devem ser feitos todos os anos.
Entre os exames obrigatórios estão a ressonância de corpo inteiro, que é programada especificamente para esse procedimento.
"É importante diagnosticar esses tumores em fase inicial, podendo uma cirurgia conservadora ser o suficiente para tratar um tumor, e poupando outros métodos mais agressivos, como quimioterapias ou cirurgias maiores", informa Allyne.
O geneticista da BP afirma que não há um número de mortalidade específico para os casos da LFS, que acaba sendo contabilizado apenas nas mortes por câncer e tumores relacionados.
Fonte:R7