Seis em cada dez laudos positivos em exames toxicológicos são de motoristas de ônibus e vans

 



De cada dez laudos positivos para drogas do exame toxicológico de larga janela exigido de motoristas profissionais, seis são para condutores de ônibus e van e quatro para motoristas de caminhão e carreta, segundo levantamento da ABTox (Associação Brasileira de Toxicologia). “Fruto de um regime de exploração desses trabalhadores”, avalia Rodolfo Pizzotto, coordenador do SOS Estradas.

Do total de laudos positivos registrados no Sistema Serpro, do governo federal, 111.475 motoristas estavam habilitados na categoria D, para vans e ônibus, o que, pondera Pizzotto, contraria a ideia de que só motoristas de estradas fazem uso de drogas. Nas categorias C e E (caminhões e carretas), foram 81.789 profissionais.

“O número de casos positivos para a categoria D é assustador, na medida que a maioria opera em área urbana, transportando dezenas de milhões de pessoas todos os dias”, afirma o coordenador, ao alertar que a situação é ainda mais grave: a cocaína está presente em quase sete (67,1%) em cada dez dos exames com laudo positivo:

“Antigamente era o rebite [a substância mais utilizada], que hoje é a terceira ou quarta. Eles usam essas substâncias para aguentar a jornada.”

Um somatório de fatores como longas jornadas de trabalho, pressão psicológica, trânsito caótico, péssimas condições de trabalho, o árduo trabalho, que passa pela insalubridade, periculosidade chegando à penosidade e problemas familiares

NAILTON DE SOUZA

A principal razão para esse cenário, na avaliação dele, é a superexploração dessas categorias. Extenuados, os motoristas acabam recorrendo às drogas para encarar longas jornadas de trabalho.

“Usam drogas para sobreviver. É uma das coisas mais desumanas que se tem no país. O motorista de ônibus de rodovia tem comportamento semelhante ao do caminhoneiro. Aquele que trabalha em empresas sérias e regulares segue um regime mais sério, tem mais exames e controle, menos tempo de jornada e mais descanso”, pondera.

Nailton Ferreira de Souza, diretor do SindMotoristas (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo), observa o quadro de maneira similar e, para além da facilidade de contato com substâncias psicoativas no contexto das cidades, enumera algumas fontes para o problema:

“Um somatório de fatores como longas jornadas de trabalho, pressão psicológica, trânsito caótico, péssimas condições de trabalho, o árduo trabalho, que passa pela insalubridade, periculosidade, chegando à penosidade e problemas familiares.”

Rodolfo Pizzotto ressalta o custo-benefício da obrigatoriedade do exame toxicológico de larga janela, uma política que não exige investimento da máquina pública, já que os exames são pagos pelos trabalhadores, têm valor acessível e produzem informações de impacto à segurança do trânsito urbano e nas rodovias.

“É difícil conseguir uma política pública sem custos e com resultados tão importantes, mostrando esse icerberg que a sociedade e a política precisam entender”, conclui.

Positivos-negativos e positividade escondida: número de casos é ainda maior

Dois conceitos citados pela pesquisa revelam que o número de motoristas que utilizam drogas seja ainda maior.

Os casos "positivos-negativos" são um deles: quando o volume de drogas no corpo existe, mas abaixo do nível de corte, o resultado do laudo é negativo, explica Rodolfo Pizzotto: “O motorista tem o laudo negativo mas é usuário, ainda que eventual. Ele usa em determinadas circunstâncias”.

Outro ponto dá conta da "positividade escondida", que ocorre quando o motorista sabe que não passaria no exame obrigatório, portanto decide não fazer o exame.

Um dado que mostra a concretude desses casos, de acordo com o coordenador do SOS Estradas, é a queda no número de motoristas habilitados.

Usam drogas para sobreviver. É uma das coisas mais desumanas que se tem no país

RODOLFO PIZZOTTO

Em dezembro de 2015, quando o exame ainda não era obrigatório, esperava-se aumento de profissionais na categoria para os anos seguintes. No entanto, houve redução de 4 milhões.

“Deveríamos ter hoje em torno de 15,5 milhões motorista. Temos 11 milhões. Não é que houve migração desse pessoal para outra categoria... eles sumiram do mercado. Isso é o que chamamos de ‘positividade escondida’. Ele sabe que não vai passar, perde a renovação e busca outra forma de sobreviver”, explica Pizzotto.

São Paulo lidera as estatísticas

O levantamento também divulgou dados acerca dos estados cujos motoristas foram mais vezes flagrados no exame toxicológico no período de pesquisa.

As regiões Sudeste e Sul aparecem com maior frequência, com São Paulo liderando entre as 27 unidades federativas, com 64.197 laudos positivos.

Rodolfo Pizzotto pondera, entretanto, que não se trata de um número revelador, uma vez que os dados acompanham, de modo geral, o tamanho das populações dos estados.

Em sequência aparecem Minas Gerais (32.189), Paraná (24.458), Rio Grande do Sul (23.004) e Santa Catarina (18.827).

Relatos chamam atenção

Segundo o coordenador do SOS Estradas, multiplicam-se relatos espantosos acerca de acidentes que envolvem motoristas nas estradas ou espaços urbanos, bem como de familiares temendo o uso de substâncias psicoativas por parte dos motoristas.

Pizzotto cita que, preocupadas com o uso dessas drogas, muitas mães, esposas e filhas procuram os laboratórios e compram os exames como forma de ultimato.

“Teve o caso de um caminhoneiro que ligou para mim, chorando, e relatou que o patrão estava reclamando que a produtividade dele estava mais baixa que a do pessoal de Goiás, que, segundo ele, se utilizava de cocaína. Como ele não usa e nunca faria isso, estava com medo de perder o emprego”, conta ele, e prossegue:

“É um grito de socorro que vem da sociedade, de perceber o que está acontecendo com esse mecanismo de exploração.”

O levantamento

Para a pesquisa, a ABTox levantou os laudos positivos registrados no Painel Toxicológico do Sistema Serpro, do governo brasileiro.

Os números são de março de 2016, quando o exame toxicológico de larga janela passou a ser exigido dos motoristas profissionais, a agosto de 2021.

Realizado pela coleta de cabelos, pelos ou unhas, esse exame é obrigatório desde março de 2016 para os condutores das categorias A, C, D e E e suas variantes. O teste identifica o uso regular de drogas nos últimos três meses.

Os resultados positivos são definidos para os casos em que o consumo de drogas regular está acima do nível de corte estabelecido pela lei.

Desde 11 de novembro de 2021, os motoristas de ônibus, van ou caminhão que não tiverem atualizado o seu exame receberão uma multa de R$ 1.467,35, e poderão ter o direito de dirigir suspenso por 90 dias.

Fonte:R7