O conflito na Ucrânia chama a atenção do mundo por ser a primeira grande guerra na Europa desde a década de 1940. O que muitos acabam não percebendo, entretanto, é que o confronto iniciado pela Rússia no fim de fevereiro pode ser o marco para uma nova ordem mundial de poder.
É a tese que defende o cientista político e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) Pedro da Costa Júnior. O autor do livro Colapso ou Mito do Colapso encabeça um artigo que defende a ideia de que China e Rússia estabeleceram no início de 2022 a nova ordem mundial policêntrica.
Os presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping assinaram há cerca de dois meses um documento chamado Aliança Sem Limites, no qual os líderes das duas grandes potências prometem uma forte parceria em áreas vitais, como economia e diplomacia.
“[Os presidentes] dizem que têm uma parceria econômica, política, tecnológica e diplomática para as próximas décadas. Agora você tem a segunda economia do mundo, que é a China, que cresce initerruptamente a taxas estratosféricas há 40 anos [...] unida com a segunda maior potência militar do mundo, a Rússia”, diz Costa Júnior ao R7.
Para o pesquisador, assinar um documento apenas não prova que os Estados Unidos não ditam mais as regras do mundo, mas uma guerra, todavia, mostra que a Rússia não teme as sanções nem as regras internacionais.
“[Putin e Xi] dizem que a ordem de 30 anos atrás, que chamamos de ordem pós-Guerra Fria, acabou. Mas para dizer isso, você tem que ter força, poder para contestar quem estabeleceu a ordem. [...] E essa ordem acabou entre o dia 4 (assinatura do documento) e o dia 24 (invasão da Ucrânia).”
Para exemplificar essa mudança da ordem mundial, Costa Júnior traça um paralelo entre as atitudes dos Estados Unidos e as da Rússia. Americanos invadiram o Iraque e a Líbia neste século sem o aval da ONU, similar ao que acontece na Ucrânia por parte da Rússia neste momento.
Presidente Joe Biden em conferência com homólogo chinês Xi Jinping
THE WHITE HOUSE/AFP - 18.3.20222Desde o fim da Guerra Fria, com a queda da União Soviética, os Estados Unidos se tornaram os grandes ditadores das regras geopolíticas mundiais. Mas esse comando global já pertenceu a outras nações, como a Inglaterra do século 19.
Um dos primeiros passos para se estabelecer como o dono da ordem mundial é demonstrar a força bélica, por meio de guerras e apresentando novas tecnologias militares. Em seguida, é vital possuir a moeda mais importante no mundo, atualmente o dólar.
Os ditadores geopolíticos já estabeleceram a libra esterlina como a grande moeda um dia, mas podem ver em breve o rublo russo e o renminbi chinês (popularmente chamada de yuan) assumirem o protagonismo econômico, explica o pesquisador.
Em um segundo momento, as nações que ditam o ritmo global passam a difundir sua cultura entre outros povos, por meio de filmes, músicas, esportes, marcas e tendências em diversas áreas, por exemplo.
Nos últimos 20 anos, Rússia e China sediaram grandes competições esportivas, como a Copa do Mundo e as Olímpiadas de Inverno e Verão. No campo econômico, Moscou e Pequim mostraram força, liderados pelo gás e pela indústria, respectivamente.
O passo que faltava para demonstrar a força destes dois personagens da geopolítica mundial era a força. Putin, ao longo dos últimos anos, venceu a guerra contra a Geórgia, anexou a Crimeia e, agora, invade a Ucrânia. Para Costa Júnior, este pode ser o começo de um período sangrento da história.
“Vamos ter um mundo cada vez mais caótico, mais imprevisível e mais tenso. Isso significa mais guerras, mais imprevisibilidade econômica, mais instabilidade nos mercados, mais variação da energia, oscilação das moedas cambiais e certamente teremos mais conflitos. [...] É um mundo sangrento que está se desenhando”, conclui Costa Júnior.
Fonte:R7